Ao seguir a articulação de uma peça de arte, o trânsito que esta percorre desde a necessidade e o intuito que um artista tem de agenciá-la até sua concreção, exposição e difusão, pode ser descrito numa variedade de atividades que se entrelaçam conformando uma urdidura com a qual se articula a trama de um acontecimento. Esboçar e bordar, esquematizar e desenhar, projetar e imprimir são atividades que diluem os ambíguos limites entre pensamento e ação, entre as indistinguíveis fronteiras que separam o que se supõe que pertence à mente, daquilo que se supõe que pertence ao corpo e que por sua vez possibilita concretizar o que às vezes é considerado como inexpressável. Os atos de caminhar e o de criar excedem as palavras que os definem e é aí aonde o papel (um mapa, um rascunho, uma fotografia, etc.) acontece como mediador, como um terceiro agente, o que se andou e o que se tem andado.
Mas todo mapa precisa de um norte?
Com esta pergunta como bússola, a exposição des.norte da artista e arquiteta Ana Amélia Genioli transita os tracejados caminhos da produção artística dando sentido, às vezes conceitual e às vezes cardinal, aos atos de criação. Sabendo que ter um rumo ou um sentido não é necessariamente ter um ponto particular de partida ou de chegada. Ações se desdobram em desenhos análogos às plantas arquitetônicas, bordados trazem o sentido da palavra con-texto na sua forma mais literal e monotipias articulam a cor como se fossem agulhas imantadas. Tudo sem precisar seguir as impostas e por vezes arbitrárias “orientações” e “diretrizes” que um norte global, colonialista e apropriador e que um Brasil sem rumo próprio impõem.
As diversas atividades que a Ana Amélia realiza se levantam na procura de outros pontos cardinais que possam dar sentido a outros rumos que podem ser seguidos, em uma espécie de alteridade da paisagem: uma paisagem outra.
Nesse catálogo serão apresentados os processos pelos quais os corpos da produção e da artista percorrem essa paisagem outra e a inscreve em desenhos, monotipias e bordados para acompanhar/guiar as pessoas que visitam a exposição. Também nessa publicação serão apresentados olhares desde diferentes lugares e práticas discursivas como são a geologia, a teoria semiótica de corpomídia e a arte.
Como assistente do ateliê de Ana Amélia tenho acompanhado seu processo produtivo por mais de um ano. Durante esse período decidimos levar a produção do ateliê operando com um “germinador de pesquisa” que como uma planta, que gera consciência de si mesma por meio de seus sensores, procurou abordar a produção criativa como um corpo em constante movimento. Movimento que é seguido de pequenos gestos plásticos, estéticos e poéticos que ao longo do ano buscaram abordar a produção desde outros rumos, desde o desoriente, desde o desnorte, desde um sul no qual é possível imaginar outras formas de se estar no mundo.
Diego Contreras Novoa
Artista plástico e ceramista com experiência em docência universitária e gestão de projetos artísticos e culturais. Formado em Artes Plásticas na Universidad Nacional de Colombia (UNAL, 2014) com Mestrado em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, 2018) desde o 2015 pertence ao grupo de pesquisa ESTEPA – Espacio, Tecnología y Participación – da Universidad Nacional de Colombia.
des.norte
he development of a work of art, from its conception to its fruition and exhibition, can be described in a variety of activities that interlace, coming together to weave whatever it may come to be. To sketch and to embroider, to plan and to draw, to project and to print are all actions that blur the already ambiguous barriers between thought and action, between the indistinguishable frontiers that separate that which one assumes belongs to the mind from that which belongs to the body. And that, in turn, allows us to express what is often ineffable. The acts of walking and creating go beyond the words that define them, and that is where the paper (a map, a sketch, a photograph, etc.) acts as a medium, as a third agent, as that which has been trodden upon and that which is tread upon.
But does every map need a North?
With this question acting as a compass, the exhibition des.norte, by artist and architect Ana Amélia Genioli, weaves its way around the dashed paths of the artistic production, giving a sense that is sometimes conceptual and other times cardinal to the acts of creation, while bearing in mind that having a goal or a destination doesn’t necessarily mean having a beginning or ending point. Actions unfold in the form of drawings that evoke architectural plans; pieces of embroidery reveal the most literal meaning of the word con-text and monotypes manipulate colours as if they were magnetised needles. All of that without being shackled to the imposed and sometimes arbitrary “orientations” and “regulations” forced upon us by a global, colonialist North, joined with a directionless Brazil.
The many activities proposed by Ana Amélia rise in search of other cardinal directions that may reveal other possible routes, bringing forth the impression of alterity, of a landscape that belongs to otherness.
In this catalog, the processes through which the bodies of production and of the artist tread this other landscape will be presented, as well as how these processes translate into drawings, monotype prints and pieces of embroidery to guide/accompany those who visit the exhibition. Also, in this publication, different points of view, such as those from the fields of Geology, Semiotic theory of Corpus Media and Art will be presented.
As Ana Amélia’s studio assistant, I have followed her creative process for more than a year. During this period, we have decided to consider our production in the studio as a “seedbed for research” in the sense that, much like a plant that generates self-consciousness through its sensors, we have tried to tackle artistic creation as a body in constant movement. This movement is followed by small visual gestures, aesthetic and poetic in nature, that have attempted, throughout the year, to express the artistic creation in different ways, from the “disorient” and from a kind of “un-North” to a South where it’s possible to imagine new ways to exist in the world.
Diego Contreras Novoa
Visual artist and ceramicist with experience as a university scholar and manager of cultural and artistic projects. He is a Universidad Nacional de Colombia graduate (UNAL, 2014) in Visual Arts, with a masters degree from Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, 2018) in Arts. Member of the research group ESTEPA – Espacio, Tecnología y Participación – of the Univesidad Nacional de Colombia since 2015.